Os bois conversam, tecem considerações sobre os homens: “- O homem é um bicho esmochado, que não devia haver.” Para os bois, Agenor é um bicho : “homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta”. Comentam dele as covardias e despropósitos, sabem que não é tão forte quanto um boi.
O carreiro Soronho pára para conversar com uns cavaleiros, entre eles uma moça, que ficam sabendo sobre a morte do pai do menino. Tiãozinho, que já começara a espantar a tristeza, recebe-a toda de volta. Despedem-se e Agenor usa de novo o aguilhão contra os animais. Os bois recomeçam a conversa : “Mas é melhor não pensar como o homem…”
Reconhecem que Agenor Soronho é mau; o carreiro grita com eles. Começam a distinguir como trata o menino ( “Falta de justiça, ruindade só.”). Encontram João Bala que teve o carro acidentado no Morro do Sabão; a falta de fraternidade de Soronho não permite que o outro carreiro seja ajudado.
Tiãozinho, debaixo do sol escaldante, agora se recorda do pai: há anos vinha cego e entrevado, por cima do jirau: “Às vezes ele chorava , de noite, quando pensava que ninguém não estava escutando.
Mas Tiãozinho, que dormia ali no chão, no mesmo cômodo da cafua, ouvia, e ficava querendo pegar no sono, depressa, para não escutar mais… Muitas vezes chegava a tapar os ouvidos, com as mãos. Mal-feito! Devia de ter, nessas horas, puxado conversa com o pai, para consolar… Mas aquilo era penoso…
Fazia medo, tristeza e vergonha, uma vergonha que ele não sabia nem por que, mas que dava vontade na gente de querer pensar em outras coisas… E que impunha, até, ter raiva da mãe… ( …) Ah, da mãe não gostava! Era nova e bonita, mas antes não fosse… Mãe da gente devia de ser velha, rezando e sendo séria, de outro jeito… Que não tivesse mexida com outro homem nenhum… Como é que ele ia poder gostar direito da mãe? … “
O leitor compreenderá , então, na continuidade do Discurso Indireto Livre que a mãe de Tiãozinho era amante de Agenor Soronho: “Só não embocava era no quartinho escuro, onde o pai ficava gemendo; mas não gemia enquanto o Soronho estava lá, sempre perto da mãe, cochichando os dois, fazendo dengos… Que ódio!…” Os bois se apiadem daquele “bezerro- de- homem” tão judiado e sofredor.
Órfão, sozinho, a recordação da mãe não traz conforto. O carreiro, que já fora patrão do pai e seria o patrão do menino, exige-lhe muito mais que suas forças podiam oferecer: “- Entra p¹ra o lado de lá, que aí está embrejando fundo… Mais, dianho!… Mas não precisa de correr, que não é sangria desatada!…
Tu não vai tirar o pai da forca, vai?… Teu pai já está morto, tu não pode pôr vida nele outra vez!… Deus que me perdoe de falar isso, pelo mal de meus pecados, mas também a gente cansa de ter paciência com um guia assim, que não aprende a trabalhar… Oi, seu mocinho, tu agora mesmo cai de nariz na lama! … – E Soronho ri, com estrépito e satisfação.”
Os bois observam, conversam, tramam. Resolvem matar Soronho, livrando, portanto, o menino de toda a injustiça futura”: “- E o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois? – O bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-adiante vai caminhandodevagar… Ele está babando água dos olhos…”
Percebendo que Soronho está dormindo, que descansa o aguilhão ao seu lado, combinam derrubá-lo do carro, num solavanco repentino. Matam o carreiro, livram o menino. Quase degolado pela roda esquerda, lá está o carreiro: menos força que os bois, menos inteligência que eles. Tiãozinho está livre, Agenor quase degolado jaz no chão.
8. CORPO FECHADO
O narrador , médico num vilarejo do interior , é convidado por Mané Fulô, para ser padrinho de casamento. Mané detesta qualquer tipo de trabalho e passa o tempo a contar histórias para o doutor: de valentões; de ciganos que ele, Mané, teria ludibriado na venda de cavalos; de sua rivalidade com Antonico das Pedras, o feiticeiro. Mané possui um cavalo, Beija- Fulô, e Antonico é dono de uma bela sela mexicana; cada um dos dois gostaria muito de adquirir a peça complementar.
Aparece Targino o valentão do lugar, e anuncia cinicamente que vai passar a noite antes do casamento com a noiva de Mané. Este fica desesperado, ninguém pode ajudá-lo, pois Targino domina o lugarejo. Aparece então Antonico e propõe um trato a Mané : vai fechar-lhe o corpo, mas exige em pagamento o cavalo. Mané só pôde consentir. Em seguida, enfrenta Targino e o mata.
O casamento realiza-se sem problema e Mané Fulô assume o posto de valentão, por ter matado Targino apenas com uma faquinha.
9. A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
Nhô Augusto é o maior valentão de todo o lugar, gosta de briga e de deboche, tira as namoradas e mulheres de outros, não se preocupa nem com sua mulher nem com sua filha e deixa sua fazenda arruinar-se, Um dia sobrevém o castigo : A mulher o abandona, seus capangas, mal pagos, põem-se a serviço de seu maior inimigo. Nhõ Augusto quer vingar-se mas não morre.
Todo ferido, é encontrado por um casal de pretos que o tratam; aos poucos se restabelece. Matraga começa, então uma vida penitência, com os velhinhos vai longe até um lugarejo bem afastado e lá trabalha duramente de manhã a noite, é manso servidor para todo mundo, reza e se arrepende de sua vida anterior.
Um dia , passa o bando do destemido jagunço Joãozinho Bem- Bem, que é hospedado por Matraga com grande dedicação. Quando o chefe dos jagunços lhe faz a proposta de integrar-se à tropa e reber ajuda deles, Matraga vence a tentação e recusa. Quer ir para o céu, “nem que seja a porrete” , e sonha com um “Deus valentão” .
Um dia, já recuperada a sua força, despede-se dos velhinhos. Chega a um lugarejo onde reencontra o bando de Joãozinho Bem- Bem, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que fugira. Augusto Matraga opõe-se ao chefe dos jagunços. No duelo ambos se matam. Nessa hora , Nhõ Augusto é identificado por seus antigos conhecidos.
O fragmento que vai se vai ler é a apresentação de Nhõ Augusto. Observe que o personagem tem três nomes: Matraga, Augusto Esteves e Nhõ Augusto. São três os lugares , em que trascorrem as fases de sua vida- Murici, onde vive inicialmente como bandoleiro; O Tombador, onde faz penitência e se arrepende da vida de perversidade ; e o Rala Coco , onde encontra sua hora e vez, duelando com Joãozinho Bem- Bem.
Pela estrutura narrativa, pela riqueza de sua simbologia e pelo tratamento exemplar concedido à luta entre o bem e o mal e às angústias, que essa luta provoca em cada homem durante toda a vida , este conto é considerado o mais importante de Sagarana.
“Eu sou pobre, pobre, pobre,
vou-me embora, vou- me embora.
Eu sou rica, rica, rica
vou-me embora, daqui…”
(Cantiga Antiga)
“Sapo não pula por boniteza,
mas porém, por precisão!”
(Provérbio Capiau)
Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves das Pindaíbas e do Saco da Embira . Ou Nhô Augusto – O homem – nessa noitinha de novena, nim lilão de atrás de igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.
Por: LiteraturaVirtual – João Amálio Ribas
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