ESTRELA DA VIDA INTEIRA – Manuel Bandeira (Resumo) – Parte 2

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia, e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

– Diga trinta e três.

-Trinta e três… trinta e três… trinta e três…

– Respire.

………………

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Um dos mais conhecidos textos de Bandeira e de todo o modernismo. O tema é claramente autobiográfico. Observe o tom coloquial e irônico, quebrado por uma frase-síntese de grande intensidade (segundo verso) e pelo final inesperado, desconcertante, do humor absurdo diante da morte sem remédio, final típico de poema piada característico da poesia moderna.

Poética

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com o livro de ponto

expediente protocolo e manifestações de apreço ao

sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no

dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobre tudo os barbarismos universais

Todas as construções sobre tudo a síntese de exceção

Todo os ritmos sobretudo os instrumentais

Estou farto do lirismo namorador

Político

Raquítico

Sifilítico

De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora

de si mesmo

De resto não é lirismo

Será contabilidade tabela de co-senos secretário do

amante exemplar com cem modelos de cartas e as

diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.

Quero antes do lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbados

O lirismo difícil e pungente dos bêbados

O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Este texto equivale a um manifesto modernista. Metapoema, poesia que fala de poesia. Observe que ele apresenta negações e rupturas – contra as convenções que desfiguram a criação poética, em especial as do academicismo parnasiano – e apresenta, por outro lado, afirmações libertárias típicas da luta modernista (particularmente no final do poema). Observe o título verso, frase síntese, verdadeiro slogan do momento heróico do modernismo.

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da hora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei e bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

– Lá sou amigo do rei –

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada…

Texto-síntese da poesia de Bandeira, tanto de sua linguagem como de sua temática da vida que podia ter sido, que precisava ter sido – e que não foi . observe a enumeração livre dos elementos que compõe a Pasárgada – lugar ideal, lugar de sonhos, lugar de desejo, onde a vida é o que deveria ser. Na segunda estrofe, observe a enumeração caótica, sem seqüência lógica, dos elementos. Observe também a extrema simplicidade da linguagem, junto da mais intensa expressividade.

Estrela da manhã

Eu queria a estrela da manhã

Onde está a estrela da manhã?

Meus amigos meus inimigos

Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua

Desapareceu com quem?

Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho

Um homem que aceita tudo

Que me importa?

Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite

Fui assassino e suicida

Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada

Atribuladora dos aflitos

Girafa de duas cabeças

Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros

Pecai com sargentos

Pecai com fuzileiros navais

Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos

Com o padre e o sacristão

Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte

Pura ou degradada até a última baixeza

Eu quero a estrela da manhã.

Outro texto-síntese, um dos mais expressivos poemas lírico-amoroso de todo o Modernismo. Observe a celebração da mulher amada, evocada na metáfora estrela; a enumeração caótica das imagens, o desconcerto amoroso.

Na quinta e sexta estrofes, observe uma espécie de ladainha para celebrar a amada, para fazer uma invocação (na verdade, é uma paródia da ladainha para a Virgem Maria, que acompanhava a reza do terço: consoladora dos aflitos / rogai por nós etc). observe a intensidade – até o delírio – da confissão amorosa nas duas últimas estrofes.

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Um dos mais conhecidos poemas com tema da morte. Observe o tom sereno, familiar, camarada. Consolada, a ceia de fim de ano, no texto representa encontro simbólico com a morte.

O poema apresenta um balanço do vivido, sem ilusões contra a própria finitude, e não se desfigura diante da presença indesejada pelas gentes. O dia foi bom, com cada coisa no seu lugar. Observe também, tal como nos outros textos, a linguagem coloquial, a estrófica irregular, heterogênea, o verso livre.

Poema filosófico, fundamentador da lírica erótica, intensamente corporal, de Manuel Bandeira. Observe a ruptura do senso comum, das concepções espiritualizantes e platônicas de amor.

O texto, de natureza dissertativa, com ponto de vista e processo de argumentação, é também radicalmente poético, pela força das imagens e dos ritmos. O texto é dirigido para alguém, para um interlocutor, que acaba se transformando no próprio leitor.

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chagar

(Não sei se dura ou coroável),

Talvez eu tenha medo.

Talvez sorria, ou diga:

– Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com os seus sortilégios.)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa.

A mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.

Por: LiteraturaVirtual – João Amálio Ribas


Posted

in

by

Tags:

Comments

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *