Machado de Assis sempre foi um grande “arquiteto de personalidades” e, na sua imensa galeria de personagens famosas, Capitu se destaca como uma das mais bem criadas por ele.
1) Capitu. Ao longo dos anos, Capitu tem desafiado a crítica com seu enigma, sutilmente criado por Machado de Assis. Até hoje, ainda devora quantos tentam decifrá-la, pairando a dúvida: Capita traiu ou não traiu Bentinho?
A pergunta continua sem resposta, pois a versão que temos para julgá-la nos é dada por um narrador suspeito – um marido envenenado pelo ciúme e de imaginação bastante fértil, como revelam muitas passagens do livro.
Por outro lado, revelando um dos traços mais marcantes da psicologia feminina – a capacidade de dissimu1ação de que é dotada a mulher, Capitu, com seus “olhos de ressaca” e de “cigana oblíqua e dissimulada”, contribui ainda mais para fortalecer a dúvida: ela sabe sair-se bem de situações difíceis – ela sabe dissimular, como no episódio do penteado e da inscrição no muro.
Inteligente, prática, personalidade forte e marcante (ela era muito mais mulher do que Bentinho, homem), Capitu acaba se tomando a dona do romance: forma, inicialmente, com o narrador, um “duo terníssimo” e, depois, possa a constituir o centro do drama do protagonista masculino, com a entrada em cena de Escobar (“trio”) e de Ezequiel (“quattuor”).
No final, acusada pelo marido enciumado, revela-se nobre e altiva ao não responder as acusações. O seu silêncio confere a ela grandeza e contribui mais ainda para acentuar a dúvida que paira sobre seu adultério.
2) Dom Casmurro. O perfil do protagonista masculino pode ser acompanhado em três fases distintas: Bentinho, Dr. Bento Fernandes Santiago e Dom Casmurro. Bentinho revela-se unia criança/adolescente marcado pela timidez, sem muita iniciativa e bastante dependente da mie. Tinha uma imaginação fertilíssima, como no capitulo XXIX (O Imperador). Levado para o seminário para ser padre (promessa da mãe – D. Glória), quando trava amizade com Escobar, Bentinho, com ajuda de J Dias, abandona a carreira sacerdotal e ingressa na Faculdade de Direito, em São Paulo.
Formado aos vinte e um anos, ele é agora o Dr. Bento F. Santiago, bem posto na vida, financeiramente rico (riqueza muito mais de herança do que de trabalho), casado e feliz com Capitu, quando canta na ópera da vida um “duo terníssimo”.
Depois, surge o filho (Ezequiel) e começam a aparecer os problemas: o “duo ternissimo” da ópera da vida vai cedendo lugar ao melodrama do “trio” e “quattuor” das dúvidas e incertezas. É a vez da fase casmurra, marcada pela solidão, pela mágoa e pela amargura.
3) D. Glória. Mãe de Bentinho, cedo assume as rédeas da casa com a morte do marido, o qual deixa a família bem amparada. Ao longo do romance, D. Glória, revela-se religiosa, apegada às tradições e ao passado, conforme observa o narrador: “Minha mãe exprimia bem a fidelidade aos velhos hábitos, velhas maneiras, velhas idéias, velhas modas Tinha o seu museu de relíquias, pentes desusados, um trecho de mantilha, umas moedas de cobre…”
D. Glória era, pois, unia boa senhora – uma santa, santíssima como diria o José Dias. Morando com D. Glória destacam-se na narrativa Tio Cosme, viúvo como ela, e Prima Justina, igualmente viúva: “era a casa dos três viúvos”; além desses, pode entrar aqui também o Padre Cabral, muito amigo de Tio Cosme, com quem ia jogar à noite.
4) José Dias. Era agregado da família e gostava muito de Bentinho.
Bajulador e de idéias chochas, realçava-as com superlativo, que passa a ser sua marca registrada: “José Dias amava os superlativos” e usa-os com freqüência ao longo do romance, inclusive na hora de morrer quando se refere ao dia como “lindíssimo “.
5) Escobar. Muito amigo de Bentinho (colegas de seminário), Escobar era casado com Sancha e revela-se um tanto quanto misterioso: teria participado do “trio” cantado por Dom Casmurro, formando o triângulo amoroso da suspeita do narrador? Fica a dúvida e a mágoa, como revela Dom Casmurro no capitulo final, já que Escobar foi tragado pela morte (afogamento), sem possibilidade de defender-se da acusação.
6) Ezequiel. É o filho de dom Casmurro com Capitu, pejorativamente chamado pelo pai dc “filho do homem”. Gostava de imitar e imitava muito bem sobre-tudo Escobar. Vitima da suspeita do pai, acaba sendo afastado, assim como a mãe, para a Suíça, tendo morrido perto de Jerusalém, como arqueólogo. Além desses, destacam-se ainda o Pádua, pai de Capitu, o qual era um modesto funcionário público, e sua mulher, Fortunata, muito econômica, também forte e cheia como a filha Capitu.
ESTILO DO AUTOR/LINGUAGEM
O estilo de Machado de Assis, marcado pela sobriedade, correção e concisão, apresenta traços inconfundíveis, que vamos alistar.
1) A linguagem de Machado de Assis é marcadamente acadêmica: clássica, bem cuidada, regida pelas normas de correção gramatical. Entretanto, em alguns pontos, tal como ocorre no Modernismo, ele registra aspectos típicos da língua da personagem, como nesta fala de um vendedor de cocada:
– Sinhazinha, qué cocada hoje?
– Cocadinha tá boa…
2) Outra marca do estilo machadiano é a tendência para a frase sentenciosa e proverbial, como aquela em que compara a vida com uma ópera, atribuída ao tenor Marcolini: “A vida é uma ópera”.
3) Outro aspecto interessante é o uso freqüente de alusõees, referências e citações que vão como que confirmando as suas idéias e pensamentos, o que, por outro lado, revela bem a espantosa cultura e erudição de Machado de Assis, adquiridas de forma autodidata como vimos.
4) Ao longo das suas narrativas, Machado de Assis (ou o narrador que conduz a estória), sempre gostou de estabelecer uni diálogo com o(a) leitor(a): conversa com ele(a), dá-lhe conselhos, pondera e explica: “Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina…” (Cap. CXLVIII).
5) Outra coisa que chama e atenção são as suas personagens, quase sempre bem situadas na vida, sem necessidade de trabalhar; aliás, o único trabalho que fazem é serem personagens de Machado de Assis, como observou alguém. Por outro lado, movem-se lenta e pausadamente, sendo quase sempre objeto de observação e análise do autor: são gente muito mais de reflexão do que de ação.
6) Apresentando, via de regi-a, uma visão amarga, pessimista e niilista da vida humana, Machado de Assis sempre se revela sarcástico e irônico na sua obra: desmascara o ser humano na sua hipocrisia e torpezas, desnudando-o nas suas entranhas; desmistifica crenças e instituições sacralizadas pelos tempos; questiona o sentido da vida. Tudo se desfaz e se desmorona ante o seu olhar aquilino e arrasa- dor: até mesmo uni casamento que parecia sólido e embasado no pilar do amor.
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