O GUARANI – José de Alencar ( Resumo) – Parte 7

A Catástrofe

Capítulo I Arrependimento

Quando Loredano afastou-se de João Feio, que o ameaçara, chamou quatro companheiros de confiança e foi com eles à despensa. Lá, separados dos outros que temia poderem também rebelarem-se, disse que derrubariam a parede e que matariam, então, todos lá dentro, menos Cecília:

“(…) se algum de vós deseja a outra, pode tomá-la: eu vo-la dou.”

E revela que além de atacarem a casa, parte dos homens atacaria os índios do alto do rochedo. E que, depois do ataque, eles se embrenhariam na floresta e deixariam os amigos à própria sorte. Os outros rebeldes acharam aquilo de uma covardia enorme, que levariam para sempre com eles o remorso.

Passados alguns momentos, os rebeldes dizem não poder derrubar a parede porque, do outro lado e dentro da casa, estava o oratório com seus santos.

Indignado, Loredano objeta que então será ele próprio a colocar a parede abaixo.

João Feio conta aos outros companheiros quem era Loredano e estes decidem que, quando chegar, se apoderariam dele e o condenariam imediatamente à morte. Mas antes, deveria arrepender-se pelos atos iníquos que praticara.

Loredano fechara a provisão de água à chave, e os aventureiros estavam sedentes e famintos. Tomaram umas garrafas de vinho que encontraram no quarto do italiano, e em meio às risadas, já pensavam em pedir perdão a D. Antônio.

Capítulo II O Sacrifício

“Peri compreendera o gesto da índia; não fez porém o menor movimento para segui-la.

Fitou nela o seu olhar brilhante e sorriu. Por sua vez a menina também compreendeu a expressão daquele sorriso e a resolução firme e inabalável que se lia na fronte serena do prisioneiro.

Insistiu por algum tempo, mas debalde. Peri tinha atirado para longe o arco e as flechas, e recostando-se ao tronco da árvore, conservava-se calmo e impassível.

De repente, o índio estremeceu.”

Cecília aparecera no alto da esplanada e lhe acenara, parecia feliz.

Enciumada, a índia saltou sobre ele com uma faca de pedra. Peri agarrou-a e deitou-a na grama, depois voltou ao lugar. Ela voltou a insistir para que fugissem, mas Peri tirou do pescoço o crucifixo que lhe dera Ceci e , por gestos, explicou à garota que lhe dava aquela cruz, como lembrança, mas só depois que morresse. A selvagem entendeu e beijou-lhe as mãos.

Naquele momento, quatro guerreiros aimorés chegaram, e o levaram para o lugar onde o sacrifício estava sendo preparado.

Foi feita a dança, e ao cacique foi dada a honra de ser o algoz de seu prisioneiro:

“- Guerreiro goitacá, tu és forte e valente; tua nação é temida na guerra. A Naçào Aimoré é forte entre as mais fortes, valente entre as mais valentes. Tu vais morrer.”

Todos esperavam o momento do sacrifício: a cabeça dele pertenceria aos guerreiros, o corpo aos filhos daquela tribo e as entranhas seriam o banquete de vingança… E quando o velho elevou a clava para bater-lhe na cabeça, Peri cobriu os olhos e abaixou a cabeça. O chefe achou que fosse medo.

Mas Peri, ativo, bradou:

“- Fere! … disse Peri ao velho cacique.”

E no meio do turbilhão de vozes ouviu-se um estouro e um barulho do corpo do velho pajé. Alguém havia atirado do meio das árvores.

Capítulo III Sortida

“O estrondo que se ouviu fora causado por um tiro que partiu dentre as árvores.

O velho Aimoré vacilou; seu braço que vibrava o tacape com uma força hercúlea, caiu inerte, o corpo abateu-se como o ipê da floresta cortada pelo raio.

A morte tinha sido quase instantânea; apenas um estertor de agonia ressoou no seu peito largo e ainda há pouco vigoroso: caíra já cadáver.

Enquanto os selvagens permaneciam estáticos diante do que se passava, Álvaro com a espada na mão e a clavina fumegante precipitava-se no meio do campo. De dois talhos rápidos cortou os laços de Peri; e com as evoluções de sua espada conteve os selvagens que voltando a si caíram sobre ele bramindo de furor.

Imediatamente ouviu-se uma descarga de arcabuzes; dez homens destemidos tendo à sua frente Aires gomes saltaram por sua vez com a arma em punho, e começaram a talhar de alto a baixo a grandes golpes de espada.”

Álvaro solto Peri, mas este diz que não vai embora, que desobedece até sua senhora.

O que tinha se passado na casa? Cecília implorara ao pai que fosse salvar Peri, era isso que ela demonstrara alegre ao lhe acenar. Álvaro pôs-se à frente do grupo, mas antes de partir, pedira a Isabel que repetisse que o amava.

IV- Revelação

Peri mantinha-se firme no propósito de não partir, mesmo em meio à luta.

“Peri abaixou a cabeça com profunda tristeza.

– Dize à senhora que Peri deve morrer, que vai morrer por ela. E tu parte, porque senão seria tarde.

Álvaro olhou a fisionomia inteligente do índio para ver se descobria nela algum sinal de perturbação de espírito; porque o moço não compreendia, nem podia compreender a causa dessa obstinação insensata.”

Foi então que Álvaro, tomado por uma idéia, diz que vai deixar-se ficar e morrer com ele, assim não restariam homens para defender Cecília. O índio pôs-se a correr por entre as árvores e todos foram embora. Chegados à casa de D. Antônio, todos queriam explicação para aquele ato insano.

Peri contou: era dono de um veneno letal, que guardava entre os seus adornos e na hora em que abaixou a cabeça, quando o pajé lhe apontava a clava ( momento em que chegou D. Álvaro) , passara curara no seu corpo. Com ele, também envenenara a água dos revoltosos e as bebidas dos aventureiros e levara um pouco para envenenar a si mesmo. Segundo a lei dos bárbaros , após a morte do inimigo, mulheres e homens dividiriam sua carne e , portanto, morreriam todos.

Por isso quisera ficar: para matar um a um os inimigos. Mas compreendera que a resolução de Álvaro era tão forte quanto à sua.

Apesar de admirar a coragem e a audácia de Peri, D. Antônio pede a Aires Gomes que previna os rebeldes que a água e a bebida estariam envenenadas.

Capítulo V O Paiol

Cecília, como se acordando de um grande susto, dirigiu-se a Peri; o índio estava aborrecido, imaginando que de nada adiantara sua decisão.

Amorosamente, Ceci perguntou-lhe por que não a tinha obedecido. Pedindo perdão a ela, o índio entra em convulsões: era o curare.

“- Peri vai te deixar para sempre, senhora.

– Não!… Não! … exclamou a menina fora de si. Não quero que tu me deixes! … Oh! tu és mau, muito mau… Se estimasses tua senhora, não a abandonarias assim!…

– Tu queres que Peri viva, senhora? disse o índio com a voz comovida.

– Sim! respondeu a menina suplicante. Quero que tu vivas!

– Peri viverá!”

E fazendo um esforço supremo, pôs a correr para fora e entrou na floresta. Imaginações dolorosas perpassaram pela cabeça da família; mas isso foi interrompido pelo aviso que Álvaro viera dar à família: Loredano e seus rebeldes estavam derrubando a parede; nesse momento, chegava Aires Gomes e outros companheiros e Loredano percebeu que estava perdido.

Foi então que os rebeldes arrependidos o agarraram e levaram o líder para D. Antônio, suplicando-lhe que lhes perdoasse a todos. Enquanto D. Antônio conversava com Álvaro, os aventureiros , reunidos num conselho, começavam a julgar o Frei Ângelo di Luca e o condenavam por voto unânime. Fora condenado à fogueira. Um dos aventureiros, chegando-se a Loredano, tirou-lhe a cinta onde o ex-frei guardava seu mapa, e, portanto, seu tesouro.

E ele ficou enraivecido, a ponto de espumar pela boca quando Martim Vaz atou-a ao corpo e disse-lhe sorrindo:

“_ Bem sabeis do provérbio: “O bocado não é para quem o faz.””

Capítulo VI – Trégua

À noite, os aventureiros cozinhavam os legumes para a magra ceia: já não podiam beber nada, pois que tudo fora envenenado por Peri e sequer sair para a caça, pois estavam cercados pelos Aimorés.

Loredano continuava atado ao poste, esperando a hora de ser executado.

“Os aventureiros tinham resolvido demorar o suplício e dar tempo a que o frade se arrependesse dos seus crimes e se decidisse a morrer como cristão, humilde e penitente; por isso deixaram-lhe a noite para refletir.”

Os víveres estavam acabando e D. Antônio, depois de reunir os aventureiros em sua sala, determinou-lhes que acompanhassem Álvaro pelas redondezas a fim de que abastecessem a casa.

D. Antônio estava admirado com a tranqüilidade dos selvagens e Cecília adormecera. A família, finalmente, pôde gozar um pouco de seu repouso.

Quando amanheceu, “Cecília, com a frescura da manhã, tinha-se expandido como uma flor do campo; suas faces coloriram-se de novo, como se um raio do sol, beijando-as lhes tivesse imprimido o seu reflexo roseado.”

O campo onde estavam os Aimorés fora esvaziado depois que eles enterraram os seus mortos, mas D. Antônio de Mariz, depois de tantos anos como explorador, e conhecendo o hábitos de tais indígenas, conservava-se suspeitoso.

Capítulo VII Peleja

Quando a família gozava os primeiros momentos de alegria, ouviram um grito na escada: era Peri. Cecília levantou-se estremecendo de alegria, mas sequer pôde comemorar a volta do índio, porque ele trouxera nos ombros o corpo inanimado de Álvaro. Cecília, D. Antônio e a mulher ficaram mudos, Isabel desmaiou.

“Cecília nem pôde gozar da alegria de ver Peri salvo; seus olhos, apesar dos sofrimentos passados, ainda tinham lágrimas para chorar essa vida nobre e leal que a morte acabava de ceifar.”

Eis o que tinha ocorrido: Peri fora procurar socorro num segredo que a mãe lhe revelara e lá passara por maus bocados; mas quando raiou o dia, banhou-se no rio e viu que as forças lhe tinham voltado. Foi quando ouviu um estrondo que reboou por toda a floresta: era Álvaro e os companheiros, cercados por mais de cem aimorés que os cercavam. Lutaram, Peri lutou também bravamente. Mas Álvaro morrera em meio ao combate e ele julgou que precisava trazer o corpo até a casa.

Capítulo VIII Noiva

Peri voltou ao quarto onde guardar as armas, o quarto que fora de Cecília , e estranhou que Isabel viesse ter com ele, pedindo-lhe que lhe fizesse um favor: levar o corpo de Álvaro para os aposentos dela, deitá-lo em sua cama de virgem.

Peri o fez.

Peri, tendo satisfeito o desejo da moça, retirou-se e voltou ao seu trabalho, que ele prosseguia com uma constância infatigável.

Apenas ficou só, Isabel sorriu; mas o seu sorriso tinha um quer que seja do êxtase da dor, da voluptuosidade do sofrimento, que faz sorrir na última hora os mártires e os desgraçados.

Tirou do seio a redoma de vidro onde guardava os cabelos de sua mãe e fitou nela um olhar ardente.”

Lá dentro, estava o curare. Apagou as luzes, rezou e pediu que fossem felizes na eternidade. Álvaro parecia apenas dormir e, depois de acender incensos, pegou a mão de Álvaro entre as suas, balbuciando coisas desconexas, tal como se espera do coração, pedia a Álvaro que dissesse a ela que a amava.

Depois colou a boca na do amante… e ele ( pasmem todos vocês, leitores menos imaginativos, mas muito acostumados às saídas românticas…) gemeu. Estava vivo.

Mas ela comera o pó do curare ( aqui, Shakespeare revolve-se no túmulo….) e condenara seu amante à morte ( vá ser azarada assim nos infernos, Isabel!). Pensa abrir as janelas, salvá-lo ( Cadê o Peri? Cadê o segredo dele? Isabel tem memória curta) , mas Álvaro a atrai para si ( pelo menos isso, ora!) e a beija longamente, quer dizer, dá-lhe curare…

Mais tarde, Ceci e Peri arrombam a porta, vêem aquela baita nuvem de fumaça e encontram os dois mortos.

“- Ela morreu feliz! disse Peri!”

Que coisa! Aqui ninguém toma o pulso de ninguém, só de olhar todo mundo sabe reconhecer um morto, dois, nesse caso…

Capítulo IX O castigo

Os aimorés tinham voltado, depois do ataque aos aventureiros, certos de que o inimigo enfraquecera. e esperavam, cheios de vingança, que anoitecesse. Iriam atacar a casa. Estavam certos de que desta vez os inimigos não lhes resistiria.

os selvagens não queriam que lhes escapasse um só inimigo e, por isso, tinham feito um cerca infalível.

Peri continuava o seu trabalho incessante e, quando precisou sair, Cecília perguntou para aonde ia.

Recebeu como resposta que Peri voltava, voltava para protegê-la.

Peri tinha visto há poucos instantes que D. Antônio dera à filha uma bebida, numa taça e que ela agora parecia narcotizada, quase que adormecida já. Repeliu a idéia de que o pai teria querido assassiná-la para que não sofresse. Não havia tempo a perder.

Lá fora, o italiano “sentia já o fogo que se aproximava e a fumaça que, enovelando-se, envolvia-o numa névoa espessa; é impossível descrever a raiva, a cólera e o furor que se apossaram dele nesses momentos que precederam o suplício.”

E o ar ficou cheio de setas incendiárias. D. Antônio disse aos aventureiros que se dispusessem a morrer como cristãos.

Foi quando Peri entrou na sala.

Capítulo X Cristão

O índio disse a D. Antônio de Mariz que queria salvar a senhora e depois lhe confessa que tem um jeito de salvar também o fidalgo: que ele pegasse a canoa e descesse o rio, e fosse em busca de sua mãe e de seus irmãos e se salvaria.

Mas o fidalgo diz que um bom homem não abandona seus companheiros.

Peri insiste em querer salvar Ceci e, sob negativa, diz que então prefere morrer aos pés de sua senhora.

D. Antônio pede-lhe que se vá, que parta enquanto é tempo, mas o índio está irredutível.

“Atravessou o espaço que o separava de sua filha, e , tomando a mão de Peri, disse-lhe com uma voz profunda e solene:

– Se tu fosses cristão, Peri! …

O índio voltou-se extremamente admirado daquelas palavras.

– Por quê? … perguntou ele.

– Por qu6e? … disse lentamente o fidalgo. Porque se tu fosses cristão, eu te confiaria a salvação de minha Cecília, e estou convencido de que a levarias ao Rio de Janeiro, à minha irmã.”

Não é preciso dizer o que se vai passar aqui. Peri quer ser cristão, por Cecília ele aceita qualquer coisa.

E D. Antônio, nessa hora extrema, batiza o índio de joelhos… e mais: dá a ele seu nome de fidalgo.

“- Peri te jura que ele levará a senhora à tua irmã; e que o Senhor do céu não deixar que Peri cumpra a sua promessa, nenhum inimigo tocará em tua filha, ainda que para isso seja preciso queimar uma floresta inteira!”

Arrepiai-vos ecologistas de plantão! Ele queimaria uma floresta inteira para salvar uma mulher… Bem, eu acho mesmo que ele está certo, ora!

Peri toma Cecília nos braços e parte, equilibrando-se sobre o abismo, lá ia nosso herói ( eu prefiro Macunaíma) com Cecília nos braços ( Alencar era um puro, eu nessa hora derrubava esses dois no abismo e acabava logo com esta história!).

Os selvagens avançavam sobre a casa de D. Antônio.

“Chegando à beira do rio, o índio deitou sua senhora no fundo da canoa, como uma menina no seu berço, envolveu-a na manta de seda para abrigá-la do orvalho da noite ( esse Alencar está brincando, gente!) e tomando o remo, fez a canoa saltar como um peixe sobre as águas.”

De longe, viu o incêndio que na casa começava.

Cadê a mulher de D. Antônio, me perguntará você. Eu também nào sei, não me pergunte.

Nesse momento, D. Antônio segurava um crucifixo na mão e com a outra apontava a pistola para “o seu vulcão”: o depósito de pólvora do gabinete de armas…

Ah, dona Lauriana reapareceu pra morrer, vejam só!

“Sua mulher abraçava os seus joelhos calma e resignada; Aires Gomes e os poucos aventureiros que restavam, imóveis e ajoelhados a seus pés, formavam um baixo-relevo dessa estátua digna de um grande cinzel.”

D. Antônio disparou, um estrondo terrível reboou por toda aquela solidão.

Morreram todos, com a explosão do paiol: D. Lauriana, a desaparecida; D. Antônio, o piromaníaco; os bobocas que ficaram lá formando o baixo relevo, a indiaiada inteira.

Veja: se fosse hoje, esse cara seria amaldiçoado por todas as ONGs do planeta, por todas as ONUs, UNICEFEs, e grupos de proteção ao branco e ao índio…

Capítulo XI Epílogo

“Quando o sol, erguendo-se no horizonte, iluminou os campos, um montão de ruínas cobria as margens do Paquequer.

Grandes lascas de rochedos, talhadas de um golpe e semeadas pelo campo, pareciam ter saltado do malho gigantesco de Novos Ciclopes.

A eminência sobre a qual estava situada a casa tinha desaparecido, e no seu lugar via-se apenas uma larga fenda semelhante à cratera de algum vulcão subterrâneo.”

Árvores arrancadas, destruição… Alencar descreve um cenário estarrecedor. Essa parte parece ter sido arrancada de jornais japoneses depois da explosão sobre a cidade de Hiroxima.

E nosso herói Peri? Bom, Peri tinha remado a noite toda, coitado. Cecília, feito uma Bela Adormecida ( essa mulher dorme demais, sempre!):

“A menina envolta na sua manta de seda, com a cabeça apoiada sobre a proa do barquinho, dormia o mesmo sono tranqüilo da véspera; as cores tinham voltado, e sob a alvura transparente de sua pele brilhavam esses tons cor-de-rosa, esse colorido suave, que só a natureza, artista sublime , sabe criar.

Param.

“Peri tomou a canoa nos seus braços, como se fora um berço mimoso , e deitou-a sobre a relva que cobria a margem do rio…”

Você já observou que o Alencar é um pouco exagerado criando esse índio-rambo aí. Mas pra quem daqui a pouco vai arrancar uma palmeira do chão, isso nem é nada.

Por fim, acordou ( já era hora). depois chorou sem que o índio nada lhe dissesse. Descobrira tudo, num relance e depois apertou o seio que lhe estalava ( essa mulher é biônica!) com os soluços, desfazendo-se em lágrimas.

E, ainda por cima, queria que Peri a levasse ao lugar onde descansava o corpo do pai. Mal sabia ela o que o índio ia lhe contar: o pai explodira, virara pó, adeus D. Antônio ( também, quem mandou dar tiro em porão cheio de pólvora?)

Peri conta que D. Antônio mandara que ele a salvasse. E Ceci fica envergonhada por estar a sós com o goitacá, naquela amplidão toda ( essa Ceci é mesmo uma imbecil!)

Peri revela-lhe que se tornara cristão, que fora batizado por D. Antônio e que dele recebera o nome. Ceci fica aliviada e feliz, não me perguntem por que.

Mas tinham que partir até que pudessem atingir os campos dos goitacás.

“O índio chegou-se trêmulo para a menina:

– Que queres tu que Peri faça, senhora?

– Não sei, respondeu a menina indecisa.

– Não queres que Peri te leve à taba dos brancos?

– É a vontade de meu pai? … deves cumpri-la.

– Peri prometeu a D. Antônio levar-te à sua irmã.

O índio fez a canoa boiar sobre as águas do rio, e quando tomou a menina nos braços para deitá-la no barquinho, ela sentiu pela primeira vez na sua vida que o coração de Peri palpitava sobre o seu seio.”

Como você pode perceber, esse capítulo deveria chamar-se “É o amor”

E o barquinho vai, deslizando sobre a água… Ceci pensa no que lhes acontecera, nos pais, em tudo que havia ocorrido e transformara a sua vida.

Agora, é Peri quem dorme. Ceci contempla-o com imensa ternura e gratidão.

“Uma lágrima pendeu nos cílios dourados e caiu sobre a face de Peri…”

Veja a que ponto chega um escritor romântico: os cílios são… dourados!

E acordou o coitado do índio-remador.

Depois, chama-o de … irmão. Esse índio deve ter se arrependido por não tê-la deixado explodir com os outros…

E depois:

“- Salve, rainha!”

Convertido é tudo assim: reza até na hora que tem que declarar o amor…

E vão para o campo dos goitacás, onde ela, segundo Peri, mandará em todo mundo.

Ela se inquieta e pergunta quando vào ao Rio de Janeiro. Peri diz que lá, na tribo dele, há canoas grandes, com as quais podem chegar ao Rio.

cecília chora na hora do jantar de frutas, porque quer que ele fique na tribo. Peri, vendo aquilo, diz que se ela quiser, será maltratado entre os brancos, mas ficará com ela. ( leia isso, fazendo acompanhar-se da música “Opinião”: “Podem me prender, podem me bater, que eu não mudo de opinião…” ou “Me abre, me fecha, me chama de gaveta, me prega na parede feito uma lagartixa…)

Ela, endoidecida, resolve acabar com o problema:

“- Cecília fica no deserto? … balbuciou ele.

-Sim! respondeu a menina tomando-lhe as mãos: cecília fica contigo e não te deixará. Tu és rei destas florestas, destes campos, destas montanhas; tua irmã te acompanhará.”

Ou seja: “Me Tarzan, you Jane”, que lindo é o amor nas tabas e florestas deste mundo!

E eu vou acabar logo com esta análise:

Ceci dormiu de novo ( claro) e Peri ficou velando. Daí que veio uma bruta enchente, eles se agarraram numa palmeira, e dá-lhes água. Pura água.

Peri falou em tom solene sobre a lenda de Tamandaré ( o Noé indígena); foi aí que Peri arrancou uma palmeira, grudaram nele e foram água abaixo.

Nesse instante, o hálito de Peri bafejou-lhe a face.

A palmeira sumiu-se no horizonte…

Pense o que você quiser, porque a obra termina em aberto. Foram felizes, tiveram filhinhos, povoaram o Brasil?

Isso, meus filhos, é um assunto para nenhum detetive botar defeito.

Amém.

Como diria o narrador de Macunaíma, bem mais esperto do que Peri:

Acabou a história, morreu a vitória, quem quiser que conte outra…

Pequena biografia de José de Alencar:

“O espelho era a visão simbólica das forças naturais. O viço da árvore, o faro do bicho, o ardor do sangue e do instinto: eis os mitos primordiais que valerão, no código de Alencar, pureza, lealdade e coragem.” ( Alfredo Bosi)

José de Alencar deve ser considerado uma das jóias literárias raras que o Brasil possui no Romantismo. Nasceu em Mecejana, no Ceará, em março de 1829, filho da aristocracia rural brasileira, de pai que tinha sido padre, senador do Império pelo Partido Liberal e pertencera ao “Clube da Maioridade”que, em 1840, levara D. Pedro II ao trono.

Foi para o Rio com a família, por força da política e das funções do pai, e lá fez os primeiros estudos, retornando ao Ceará aos 12 anos. Formou-se em Direito em São Paulo, em 1950.

Veja o que escreve sobre ele os professores Antônio Cândido e Aderaldo Castelo, em Origens do Romantismo:

“Dedicou-se à literatura, ao jornalismo, à advocacia, foi funcionário e político, tendo sido repetidas vezes deputado conservador pela sua província e, de 1868 a 1870, ministro da Justiça. Não conseguiu, apesar de bem votado, ser feito senador, que era a sua grande meta, e isso terá contribuído para agravar nele a misantropia e a irritabilidade, que eram acentuadas, apesar de ter sido muito feliz na vida de família, depois do casamento um pouco tardio, em 1864.

A carreira literária de Alencar principia, realmente, com as crônicas que depois reuniu sob o título de Ao Correr da Pena ( 1856). Mas a notoriedade foi devida aos artigos polêmicos do mesmo ano, contra o poema épico A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, nos quais traçava o programa de uma literatura nacional, baseada nas tradições indígenas e na descrição da natureza, mas norteada por uma rigorosa consci6encia estética.

Para juntar o exemplo à teoria, publica em 1857 O Guarani, que fora precedido por um pequeno romance, Cinco Minutos. A partir daí não cessaria mais de escrever e publicar com relativa abundância, em três fases mais ou menos distintas. Na primeira, que vai de 56 a 64, publica alguns dos seus romances mais importantes e quase todo o teatro.

De 66 a 69, apenas escritos políticos, inclusive as famosas Cartas de Erasmo, nas quais exortava o Imperador a exercer efetivamente os seus poderes, a fim de pôr cobro à tirania das cliques governamentais. De 70 a 75, postos de lado a política e o teatro, entra em nova fase criadora, publicando oito livros de ficção. O último romance, acabado em 77, Encarnação, foi publicado depois da sua morte, assim como o belo fragmento autobiográfico, Como e por que sou romancista.

Alencar é o primeiro ficcionista de vôo largo na literatura brasileira; a sua obra representa, na prosa, a realização da tendência nacional que vinha sendo reclamada pela opinião crítica e pelo sentimento de autonomia. Sem prejuízo


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