O CAFÉ E A REPÚBLICA – ECONOMIA CAFEEIRA – Parte 2

A história econômica do Brasil entre 1889 e 1914 pode ser resumida na seguinte dinâmica:

– sucessivas crises do café, seguidas de movimentos dos cafeicultores visando a valorização do produto;

– paralelamente as crises, houve a instalação de indústrias em várias regiões do país devido à presença de capital estrangeiro no desenvolvimento da acumulação de capitais;

– embora a região de São Paulo fosse menos industrializada que a do Rio de Janeiro, notase já nesse período uma tendência favorável à concentração do setor fabril na região paulista.

O período de 1889 a 1914 foi marcado por duas renegociações da dívida externa, chamadas funding loans, isto é, “dívidas flutuantes”. A primeira renegociação ocorreu em 1898 durante o governo Campos Salles, em conseqüência do fracasso do Encilhamento. No fim do século XIX e no inicio do XX, o país estava com suas finanças falidas.

O acordo com os Rothschilds, banqueiros ingleses, previa que o pagamento de todos os empréstimos contraídos nos anos anteriores deveria ser efetuado em 1911. Outro destaque era o pagamento dos juros, a partir de 1901, três anos após o acordo. Como garantia, o governo do presidente Campos Salles ofereceu as rendas alfandegárias brasileiras. O acordo proibia também que o Brasil realizasse novos empréstimos.

O segundo funding loan foi acertado no ano de 1914 no governo de Hermes da Fonseca. Em decorrência do Convênio de Taubaté, o Estado foi obrigado a contrair novos empréstimos, onerando a balança de pagamentos durante o período de 1913 a 1914.

Seguiu-se nova renegociação da dívida com os credores internacionais, mediante o empréstimo de 14 milhões de libras

esterlinas. Os juros começariam a ser pagos após três anos e a dívida seria ressarcida em treze anos

Efeitos da I Guerra Mundial

O período de 1914 a 1918 começou de forma trágica, marcado por um novo funding loan e pelo primeiro conflito de proporções mundiais. A I Guerra acarretou a queda nos preços das exportações de café e restringiu nossa capacidade de importar. Além disso, afastou os investimentos internacionais da economia brasileira.

Em 1916, porém, o comércio se intensificou com a venda de café aos Estados Unidos e aos países neutros da Europa. Mas em 1917 a situação internacional voltou a trazer problemas.

A intensificação da guerra obrigou os britânicos a cancelarem a compra de café, e os EUA diminuíram as importações de produtos, pois entraram no conflito. Rompendo com a neutralidade, o Brasil também entrou na guerra contra a Alemanha, enviando à Europa apenas uma pequena esquadra e alguns médicos e enfermeiros.

Uma segunda valorização do café ocorreu em 1917, quando os excedentes atingiram 6 milhões de sacas. O governo do

presidente Venceslau Brás pagou para São Paulo tirar do mercado 3 milhões de sacas. Em 1918, com o fim da guerra, o

gradativo restabelecimento das atividades mercantis internacionais permitiu uma elevação nos lucros com as exportações de café.

Durante a I Guerra Mundial, a balança comercial brasileira pendeu favoravelmente para o lado dosnorte-americanos, porque “a participação da França e da Grã-Bretanha na conflagração reduziu, consideravelmente, a sua capacidade de esportar para a América do Sul, enquanto a Alemanha chegou a ponto de nada exportar para o Brasil em 1917. Como conseqüência, a influência e o comércio dos EUA com o Brasil cresceram, embora o esforço dos americanos de abastecer (até 1916) os aliados e os Poderes Centrais com manufaturados e capital tenha atrasado um pouco o aumento das exportações americanas para o Brasil.

Feiras livres: pressões proletárias

A nível interno, a situação econômica da população brasileira, especialmente das classes proletárias, piorou no período da I

Guerra. Grupos operários organizavam pesquisas mostrando a queda real dos salários e, portanto, da qualidade de vida. A escassez alimentar e o aumento do custo de vida provocaram a pauperização da sociedade e possibilitaram o surgimento de epidemias de grandes repercussões, como a gripe espanhola, que em 1918 matou 8 mil pessoas.

Diante das manifestações populares contra os preços dos gêneros alimentícios foram criadas feiras livres “como medida do governo frente às pressões do proletariado: a venda direta dos gêneros ao consumidor, sem intermediários e sem impostos de qualquer espécie, levava a um barateamento relativo dessas mercadorias’: Além disso, “nos períodos de crise da produção capitalista, tal dinâmica só poderia se manter às custas de uma superexploração das massas trabalhadoras, através da queda dos salários reais, aumento do desemprego, com a conseqüente carestia do custo de vida, escassez de gêneros básicos e fome’.

Pós-guerra: ainda o café

Depois da I Guerra Mundial, o Brasil acabaria se beneficiando com a desorganização da economia européia. As dificuldades de importação fizeram crescer o número de estabelecimentos industriais, especialmente no eixo São Paulo-Rio. Mas a principal fonte de divisas do país ainda era o café – e a exportação desse produto sofreu um decréscimo nos anos imediatamente seguintes ao final da guerra.

Em 1920 e 1921 houve uma superprodução cafeeira que não encontrou saída, pois os EUA, principais compradores das mercadorias brasileiras depois de 1918, estavam aplicando capitais em programas de recuperação econômica da Europa. A solução foi retomar a tradicional política de valorização do produto (a terceira entre 1921 e 1923), proporcionada por um crédito especial do Banco do Brasil, e os mesmos mecanismos anteriores, isto é, retirada do produto do mercado e diminuição de impostos aos exportadores.

Assim, após um período de recessão internacional (1920-1921) no qual diminuíram as compras de café, a política da terceira valorização cafeeira conseguiu aumentar as exportações e a capacidade de importar, principalmente maquinários. Dessa forma, no final de 1921, o Estado de São Paulo passou a responsabilizar-se pela defesa permanente do café e manteve essa política até a crise do final da década de 20.

As safras cafeeiras de 1925-1926 foram grandes e as de 1927-1928 maiores ainda (uma produção de aproximadamente 26 milhões de sacas), contrariando as tendências de que, após um período de grandes colheitas (como as de 1925-1926), as safras diminuiriam. Houve queda no período 1928-1929 (14 milhões de sacas) e um novo aumento em 1929-1930 (30 milhões de sacas).

Os capitais advindos das exportações foram utilizados para os investimentos na indústria de transformação, ou seja, na

instalação de máquinas e equipamentos. A conseqüência mais imediata do aumento de capitais foi a acelerada industrialização na década de 20.

Novas indústrias de algodão, tecidos de lã, de seda e até de fios de seda artificial (raiom) foram implantadas. Também se desenvolveram as indústrias de calçados, elevando os investimentos e a produção das décadas anteriores do século XX. A modernização industrial também atingiu a moagem do trigo, a fabricação do açúcar (com maciça instalação de usinas no Nordeste), a indústria de bebidas (cerveja, refrigerantes etc.) de fósforos, de peças de vestuário, os setores metalúrgicos (pregos, parafusos, porcas etc.), a produção de cimento, ferro e aço, os produtos de borracha, os óleos vegetais, as pastas e papel, os frigoríficos, os móveis, as editoras e gráficas e, ainda, a química e a farmácia.

Industrialização: cinco fatores Os setores que se desenvolveram depois da I Guerra demonstram a diversificação do parque fabril e uma gradativa passagem

para a estruturação de uma economia com forte predominância industrial ao longo das décadas seguintes.

Embora dependentes do capital cafeeiro, é possível constatar um lento desprendimento dos setores fabris, que”já não eram simplesmente complementares ou subsidiários da economia exportadora de produtos agrícolas, mas estavam progressivamente relacionados com o crescimento da demanda interna por matérias-primas industriais (cimento, ferro e aço, produtos químicos, papel e pasta de papel etc.) e maquinaria em geral (para agricultura, indústria, construção etc.).

Algumas indústrias, tais como as de carnes congeladas e industrializadas e de óleo de caroço de algodão, foram mesmo estabelecidas com o propósito de processar novos produtos de exportação’: Cinco principais fatores explicam o crescimento industrial do Brasil na década de 1920, em especial no eixo Rio-São Paulo e predominantemente nesta última região: energia, acumulação de capitais, mão-deobra barata, matérias-primas e proteção governamental para a indústria.

– Energia: no século XIX e início do XX, o processo de instalação fabril utilizava predominantemente máquinas a vapor, o que obrigava à importação de carvão. Com isso, grande parte do dinheiro arrecadado nas exportações era gasto na compra desse combustível. Já entre 1900 e 1910, a implantação de usinas de produção de energia hidrelétrica foi fundamental para garantir o crescimento fabril que se processaria na década de 20, pois o encarecimento do carvão durante a I Guerra inviabilizou o uso dessa matéria-prima vegetal como fonte de energia.

A instalação de usinas elétricas ocorreu no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, o que possibilitou o aumento da capacidade produtiva dos setores industriais do Centro-Sul, contribuindo para distanciar esta região das demais em termos de competitividade fabril, pois os outros Estados da Federação levaram mais tempo para gerar eletricidade, comprometendo sua produtividade.

– Acumulação de capitais: os cafeicultores paulistas diversificaram amplamente as aplicações dos capitais que ganhavam com as exportações, abrangendo um grande leque de investimentos, desde a fabricação de tecidos de algodão e juta, até o comércio (empresas de exportação/ importação, bancos, ferrovias), passando pelas instalações de indústrias metalúrgicas (maquinário para agricultura, para beneficiamento agrícola, ferramentas, equipamentos de transporte como vagões, carroças, barcos etc.).

E assim o parque industrial de São Paulo sobrepujou o resto do país e as instalações urbanas da cidade conheceram grande desenvolvimento (imóveis, empresas de serviços públicos, além das indústrias de transformação).

A principal parcela dos capitais destinados à indústria provinha da atividade mercantil (incluindo os investimentos feitos por imigrantes), “que, em geral, se acumulava originariamente nos negócios de exportação e importação ou no comércio interno’, o que São Paulo já vinha realizando desde a segunda metade do século XIX.

– Mão-de-obra barata: a vinda de imigrantes (italianos, espanhóis, portugueses etc.), durante as três primeiras décadas do século XX, foi de fundamental importância para o rebaixamento salarial dos operários e a conseqüente elevação dos lucros dos donos de indústria. A mão-de-obra era farta e barata, e havia um grande contingente de mulheres e crianças operárias que trabalhavam em jornadas de dez ou mais horas com salários inferiores aos dos homens, que já eram irrisórios.

– Matérias-primas: não foi por acaso que as indústrias têxteis e de alimentos iniciaram o processo fabril brasileiro, pois estavam intimamente relacionadas com a produção desse país tipicamente agrário.

Mas mesmo esses setores industriais precisavam importar outras matérias-primas que não eram fabricadas aqui, como anilinas, corantes, fios de juta, feltros (para chapéus), malte (cerveja), ferro e aço (para os setores metalúrgicos). A obtenção desses produtos vinculava-se à capacidade exportadora das regiões, e nesse ponto São Paulo também se destacava pelas atividades cafeeiras.

A I Guerra, entretanto, interrompeu o fornecimento desses insumos, exigindo que o governo e os empresários se engajassem num esforço para produzir aqui muitas matérias-primas antes importadas. Isso aconteceu ao longo da década de 20 (com maiores resultados a partir de 1930), caracterizando um processo de substituição de importações.

– Proteção governamental para a indústria: durante o período de 1889 a 1914, o Setor industrial têxtil predominou em várias regiões do Brasil porque utilizava matéria-prima (algodão) produzida no local. Nessa época, entretanto, o governo não isentava as indústrias brasileiras de impostos e aplicava taxas alfandegárias quase simbólicas aos produtos importados, principalmente aos da Inglaterra.

Já na década de 20, a proteção governamental resultou nos aumentos dos preços das importações como conseqüência da desvalorização da moeda brasileira. Diante da recuperação da economia européia e do crescimento da economia norteamericana, o governo federal não tinha um programa econômico para desenvolver a industrialização de forma geral, por isso passou a incentivar as iniciativas fabris individuais.

Mas os estímulos com subsídios e empréstimos de capitais não eram constantes e não produziram grandes efeitos no processo de industrialização. Assim “a formação de capital na indústria de transformação ainda era em grande escala baseada no capital originalmente acumulado em atividades ligadas ao setor exportador, pelo menos até o fim da década de 1920”.

No descontentamento dos cafeicultores, o fim da República Velha Embora ocorresse de forma descentralizada, um amplo processo de industrialização estava em curso no Brasil dos anos 20. Mas a crise de 1929 – marcada pela superprodução de mercadorias sem compradores acelerou as contradições entre os setores agrários e industriais.

Mais uma vez, diante de outra crise, os cafeicultores paulistas exigiram nova valorização do produto, concessões de créditos, subsídios ao pagamento das dívidas, juros baixos, prorrogação dos prazos para pagar os empréstimos.

Mas o presidente Washington Luís (1926-1930), notadamente favorável à política econômica de São Paulo, não compreendeu claramente a extensão da crise econômica e não atendeu aos pedidos do setor cafeeiro, preferindo acreditar que os importadores ampliariam a compra do café para elevar os estoques e, no momento adequado, aumentar os preços, compensando, desta forma, os prejuízos momentâneos. Nada disso aconteceu e o presidente acabou por perder o apoio político, econômico e social dos latifundiários paulistas, sendo deposto pela Revolução de 30.

Por isso, a república do Café-com-Leite (aliança dos cafeicultores de São Paulo com os latifundiários de Minas Gerais,

produtores de leite, queijo e indústrias de laticínios) não sustentou o modelo de república no Brasil, baseado na monocultura cafeeira, em latifúndios e na mão-de-obra barata.

Afinal, o Brasil já não era apenas um exportador de complementos de sobremesa. “Podemos dizer que, graças às ampliações e sua capacidade produtiva, através da importação de bens de capital” (máquinas e equipamentos) “e pela sua diversificação, o campo industrial preparou-se para a recuperação da economia como um todo depois da crise de 1929”, bem como os setores agrícolas.

De 1930 até a década de 80, o Brasil continuou implementando novas relações produtivas, adequando sua economia aos quadros da completa internacionalização do capitalismo. A região brasileira permanecerá cumprindo sua função histórica essencial à organização capitalista, ou seja, vender matérias-primas. Só que, nos dias atuais, ao invés de importar manufaturas – como fazia ao longo dos séculos coloniais até 1870, data do início de nossa industrialização -, o Brasil consome produtos sofisticados como computadores, videocassetes, antenas parabólicas e outros.


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