Os pais também mudaram para lá. A casa onde moravam, dona Berta transformou em pensão. Lá moravam também amigos, como Ariano Suassuna, Capiba e Rubem Braga.
Houve um momento em que o narrador tomou consciência da sua ignorância e envergou-se. Começou então a ler. Lia muito e de tudo, inclusive dicionários. Levava uma vida pacata, não se metia em política. Quanto às mulheres, freqüentava um bordel barato e só. Era muito tímido. Sua vida tornou-se uma rotina. Ia para a loja, que aliás havia comprado do seu Isaac por uma bagatela, espanava o pó, sentava-se atrás do balcão e lia. Vez por outra aparecia um freguês.
Em 1937 Noel foi para o Rio com a mãe, já formado em Medicina. Salomão havia falecido. O Brasil vivia a ditadura de Vargas. Noel participou na produção da revista Diretrizes, da qual faziam parte José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado. Por aquela época, em 1938, os intelectuais eram todos comunistas. Os comunistas manifestavam-se com cartazes de protesto.
Sarita, uma fervorosa comunista do Bom Retiro, atirou-se cegamente na causa do Comintern, órgão central dos partidos comunistas na Rússia, que apresentou um documento a ser divulgado na sociedade brasileira que dizia que o conflito final seria a oposição entre índios e brancos. O movimento não vingou por falta de adeptos.
Em 1940 Noel casou com uma prima, Elisa. Um ano depois o narrador casou também, com Paulina, filha do vizinho. Através de Sarita, que ia periodicamente ao Rio, ele tinha notícias de Noel. Noel estava trabalhando com saúde pública; queria combater a malária e se envolver em campanhas.
A guerra tinha começado. Hitler invadia a União Soviética. Noel e Sarita ouviam a Pirineus, rádio clandestina que os mantinha informados sobre os campos de concentração e outros acontecimentos. O narrador nunca ouviu a Pirineus. Preferia se manter alheio, mergulhado nos livros. Noel ia para as ruas, carregava cartazes de protesto. Em 1935 foi preso como comunista na ditadura Vargas. Nosso narrador não ia para as ruas fazer protesto, porque não tinha coragem.
Por volta de 1944, Noel e a mulher estavam trabalhando na Fundação Brasil Central, fundada pelo ministro João Alberto. Tinham sido contratados para trabalhar com os índios em regiões como o Alto Xingu e o Alto Araguaia, que seriam desbravadas e colonizadas. Noel fora contratado como especialista em malária.
O narrador tornou-se pai de um menino: Ezequiel.
No Xingu, Noel trabalha como especialista em malária e cuida dos índios. É aceito pela tribo dos Kalapalo após salvar a vida de uma indiazinha que estava quase à morte. Os índios lhe tem afeto e respeito.
Em 1951 Noel ingressa num curso para a campanha nacional contra a tuberculose. Resolve trabalhar na região dos grandes rios: Tocantins, Xingu e Tapajós. Consegue transporte aéreo e em pouco tempo está dirigindo o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas, para os problemas dos índios. Dedica-se inteiramente a esta missão.
João Mortalha, um tipo mau-caráter com passado de assassino, vai para o Xingu disposto a tornar-se proprietário das terras dos índios. Noel, descobrindo-lhe as intenções, expulsa-o da região.
Eu podia entender o padre Anchieta cuidando dos índios; o Noel Nutels não. Pela simples razão de que não podia imaginar a mim próprio cuidando dos índios. (…) Eu, o covarde, imóvel; Noel, o corajoso, em movimento. Em constante e dinâmico movimento. O Noel estava virando índio. Índio inquieto a percorrer sem cessar as trilhas do Brasil central. Trilhas que poderiam levar a qualquer lugar, mas nunca passariam por uma loja chamada A Majestade. Nossos caminhos se haviam afastado para sempre.
Nosso protagonista começou a ter problemas em casa: desentendimentos com a mulher, além do Zequi, que se mostrava rebelde.
Sarita mudara-se para o Rio e às vezes vinha visitá-los. Percebeu que Ezequiel estava apaixonado por ela. Zequi lia Marx, Lenin e Stalin. Entrou para a célula da Juventude Comunista no Bom Retiro, a célula Zumbi dos Palmares. Os jovens membros da célula, sabendo da amizade do protagonista com Noel, o doutor dos índios, pediram-lhe para que conseguisse um encontro entre eles.
O narrador, depois de entrar em pânico, teve uma brilhante idéia: sugeriu-lhes que se correspondessem com Noel. Na loja, deu início à correspondência que Noel supostamente estaria lhes enviando. Escreveu cartas e mais cartas para a célula Zumbi. Os rapazes extasiavam-se. Aconteceu, porém, que Sarita descobriu a farsa e ameaçou contar tudo a não ser que dali em diante ela mesma passasse a assumir a correspondência. Entraram em acordo. As cartas de Sarita eram chatíssimas, doutrinárias, o que fez com que os rapazes logo se entendiassem. Em pouco tempo, a correspondência encerrou-se.
Em 1961 Zequi entrou para a faculdade de Ciências Sociais. Envolvendo-se completamente com política estudantil, tornou-se membro da UNE. Logo passou a fazer parte de um grupo de radicais. Os folhetos clandestinos falavam de guerrilha e luta armada. E então veio o golpe de 64.
Com o golpe militar, mandaram Ezequiel esconder-se no sítio de uma amiga de Paulina. Quanto a Noel, naquele período dirigia o Serviço de Proteção ao Índio; fora indicado por Darcy Ribeiro. Os militares não acharam nada contra ele.
Havia um major anticomunista, major Azevedo, que por motivos particulares estava atrás de Noel. O narrador teve um caso com Iracema, um tipo vulgar, apesar de bonita, que apareceu na loja como representante de tecidos. Foi sua primeira e única paixão.
Um dia o narrador sentiu falta da última carta de Noel, que escrevera e não enviara. Iracema confidenciou-lhe, arrependida, ter sido ela a pegar a carta a pedido do irmão Mortalha, o mesmo sujeito que Noel havia expulsado do Xingu.
Mortalha queria incriminá-lo e, de posse da carta entregou-a ao major Azevedo que, estranhamente, rasgou-a e jogou fora.
Ezequiel foi para a França. Fez mestrado, depois doutorado, e tornou-se professor em Limoges. Não voltou mais. Casou-se com uma francesa e teve dois filhos.
A mãe foi para um asilo, completamente esclerosada, e lá faleceu.
A irmã Ana tornou-se uma competente psicóloga e enriqueceu.
Paulina quis ir embora para Israel. Não voltaria mais. O narrador levou-a ao aeroporto não sem antes tentar persuadi-la a ficar. Despediram-se e nunca mais a viu.
O narrador passou a viver sozinho. Ezequiel quase não escrevia, ao contrário de Paulina que escrevia longas cartas deixando-o a par de suas experiências no Kibutz.
Vendeu a loja, que não ia nada bem, além do que, ele imaginava espectros de bugres sob o solo. Vendida a loja, mudou-se para um pequeno apartamento e seus problemas financeiros terminaram.
Certa ocasião escutou no noticiário que Noel estava internado num hospital em estado grave. A notícia deixou-o de tal forma abalado que imediatamente resolveu ir até o Rio visitá-lo. Chegando lá debruçou-se sobre Noel e implorou-lhe que não o abandonasse. Noel estava morrendo. O narrador retirou-se e cinco generais teceram comentários sobre o doente.
De volta à casa, imaginou-se abrindo uma loja no Xingu. Iria se chamar A Majestade do Xingu.
Na Majestade do Xingu haveria lugar para o real e para o imaginário. A conjugação perfeira do prático e do mítico.
Cansado da viagem, o narrador adormeceu e sonhou que um cossaco, um pogrom, enterrou o salto de sua bota em seu peito. Josiléia, sua empregada, socorreu-o quando acordou sentindo a horrível dor, levando-o para o hospital.
Finaliza dizendo que esta é a sua história e que só tem importância porque é um pouquinho a história de Noel Nutels.
Personagens
· Narrador – um personagem inominado e admirador do defensor dos índios no alto Xingu – Noel Nutels – um judeu que conheceu vindo para o Brasil, fugindo da Rússia revolucionária ainda crianças a bordo do navio Madeira.
· Pai do narrador – vendedor de sapato, teve o braço direito amputado, sonhava fazer do filho um médico, se estabelece em São Paulo.
· Ana, irmã do narrador – aluna brilhante que realiza o sonho do pai formando-se em psicologia.
· Ezequiel / Zequi – filho do narrador com Paulina, filha de um vizinho do Bom Retiro, bairro de São Paulo, onde se estabeleceu como comerciante. Menino irritado, na escola era considerado um mau líder.
· Paulina – esposa do narrador, retorna para Israel.
· Sarita – vizinha no Bom Retiro, moça de pais ricos, desprezava as mordomias. Ao voltar do Rio de Janeiro para onde sempre ia, trazia notícias de Noel.
· Iracema – irmã de João Mortalha, envolve-se com o narrador.
· Noel Nutels – revolucionário de esquerda, apaixonado pela causa indígena no Xingu, vem para o Brasil ainda pequeno com sua mãe a mando do pai. No navio Madeira conhece o narrador.
· Salomão Nutels – pai de Noel, fixou-se no Brasil em Laje do Canhoto, pequena vila de Alagoas, após tentar sair de Buenos Aires de volta à Rússia.
· Berta – mãe de Noel, se estabelece no Brasil como pensionista, é dona da casa onde se hospedariam Ariano Suassuna e Rubem Braga, hoje famosos escritores.
· Elisa – prima com quem Noel se casa em 1940 e será companheira em suas aventuras no alto Xingu.
· João Antônio Silva, o João Mortalha – encrenqueiro, forasteiro, almejava terras indígenas no alto Xingu, resolve disseminar varíolas entre os índios contaminando roupas. Contrai a doença mas é curado por Noel que o intima a desaparecer da região.
· Pajé – rivaliza-se com Noel que, como médico, derruba o curandelismo da região ao curar os índios.
· Outros – o carteiro Rufino, o médico que ouve o narrador, os generais que visitam Noel em 1973 e o Major Azevedo.
Por: Herlon Niggemann
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